top of page

Audiodescrição poética

Audiodescrição é um recurso de acessibilidade que traduz imagens em palavras. Na maioria das vezes, por questão de tempo, em vídeos, ou espaço, em telas e textos, a audiodescrição prioriza a clareza e brevidade. Quando a audiodescrição tem espaço (e tempo) no projeto, podemos pensar em jeitos diferentes de criá-la, inclusive poéticos. Para a exposição Fragmentos de Utopia, com fotografias de Nick El-moor e curadoria de Patrícia El-moor, tivemos a liberdade de propor a audiodescrição como arte, também, e interagir com as imagens. As audiodescrições foram também gravadas em áudio, com efeitos sonos, e podiam ser ouvidas no site da exposição. Aqui estão alguns exemplos das audiodescrição que fiz para as imagens de Brasília, nesse modelo.

Detalhe do famoso painel de azulejos da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, de Athos Bulcão

fotografia de Nick Elmoor

Roda mundo, roda-gigante, rodamoinho, roda pião, e a gente roda, como numa brincadeira de criança, e o mundo gira, e ao olhar para os azulejos de Athos Bulcão, vemos borrões azuis, pretos e brancos, que rodam e rodam, espiralando. É possível perceber que as formas rodopiantes são estrelas pretas e pombas branca, no centro de quadrados de um azul escuro bem vibrante.. Ainda assim, nossa cabeça ainda gira, assim como o mundo, e nenhum dos azulejos parece estático, ou definido. As estrelas parecem feitas de apenas quatro traços curvos que se encontram, a pomba parece uma tau. E eles se mexem, e giram, e rodam, e seguindo o percurso inverso — vamos girar para o outro lado? — parece que tanto estrela quanto pomba alçam um voo em espiral, e sua trajetória são os borrões que vemos. Roda mundo, roda-gigante, rodamoinho, roda pião, e roda nossa visão, na roda-viva das voltas do seu — e do meu — coração.

Cúpula da Catedral Metropolitana
Nossa Senhora Aparecida

fotografia de Nick Elmoor

Olhe para cima: dezesseis pilares brancos se curvam, parecendo alongados à direita, onde você está. Cansados da distância, eles buscam se aproximar, afunilando a estrutura e carregando, entre si, mosaicos, abrigados em estruturas trapézicas que se encontram, formando ampulhetas retas, que carregam entre si os fractais de vidro. Numa inversão do céu, a maior parte dos fractais são esbranquiçados, formando um fundo cortado por rasgos formados por fractais em dois tons de azul. No centro, onde os mosaicos se encerram e os pilares enfim se aproximam, há um círculo de concreto, no teto, de onde pendem fios de aço quase invisíveis, sustentando estátuas de anjos em pleno voo, cada um dos dois visíveis em uma altura diferente, em pleno voo. É difícil dizer que isso não é uma versão diferente do céu. Como ter certeza de que não é?

Diálogo entre água e concreto – elemento recorrente na vida de quem mora em Brasília – em outra obra do arquiteto Oscar Niemeyer, o Palácio da Justiça

fotografia de Nick Elmoor

Está checando se ninguém está te vendo? Não se preocupe, ninguém está. Se é uma partida de pique-esconde, acho que você pode ganhar. Pode conferir: além de seu esconderijo, não há ninguém. Só a pilastra, a estrutura de concreto que parece uma calha gigante, e mais adiante… Uma listra azul, seguida de outra formada por quadrados brancos e cinzas, intercalados de maneira aleatória… São janelas de um prédio contra o céu? Uma fita, antes da próxima pilastra? Não dá realmente pra saber. Fica às custas da imaginação. Assim como fica o som da água que cai em um feixe fino, vindo da calha. Soa exatamente como um bom esconderijo.

Detalhe de fachada de um bloco em uma superquadra em Brasília

fotografia de Nick Elmoor

A partir da esquerda, um céu que parece ter sido pintado com tinta guache azul é recortado por veias de uma árvore cujos galhos e ramos retorcem-se em todas as direções. Nem tudo que é torto é errado, já dizia a poesia, e olhamos para uma árvore do cerrado: puro tronco e galhos, nenhuma folha ou flor. Somado a isso, a ausência de nuvens no céu indica que é período de estiagem na capital. Conforme a imagem prossegue à direita, uma linha extremamente reta dá fim ao azul do céu para dar lugar a uma tira num chuviscado de branco e cinza, ainda recortado pelos galhos-veias. Pode ser uma parede de textura granulada e áspera, como tudo parece ser na seca, ou um trecho do céu que esqueceram de pintar.

Vic © 2025

bottom of page